ProART Entrevista: Rita Marques - uma soprano em ascensão

Por Joana Patacas, em 03 de março de 2024. 

A soprano Rita Marques brilha em palcos nacionais e internacionais, destacando-se pela sua voz repleta de talento e paixão, que cativa e emociona o público. 

A sua trajetória no universo operático é marcada por interpretações memoráveis que vão desde a enigmática Rainha da Noite em "Die Zauberflöte" de Mozart, papel com que se estreou em 2016 numa grande produção de ópera, em Mechelen, na Bélgica, até à emocionalmente complexa Lucia, figura titular da ópera “Lucia di Lammermoor”, que esteve em cena no Teatro São Carlos, em 2023, muito elogiada pela crítica:

“Quem a trouxe ao palco foi Rita Marques, soprano, num papel de enorme exigência técnica e expressiva. Rita Marques esteve à altura. Mais do que isso, fez sua esta Lucia, soube dar-lhe vida e cor, se é que se pode dar vida e cor a um fantasma.” (in Público, 2023)

Foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian/ENOA e frequentou o Centre de Perfeccionament Plácido Domingo, tenor com o qual subiu a palco em 2017, no concerto na MEO Arena, em Lisboa, um momento que nunca esquecerá.

“Placido Domingo não desiludiu ninguém no espetáculo de 80 anos da Rádio Renascença ontem numa Meo Arena quase repleta. (...) bem como a soprano portuguesa Rita Marques, que arrancou a primeira grande ovação ao interpretar Flauta Mágica de Mozart. (...) discreta mas com poderosas interpretações.” (in Diário de Notícias, 2017)

Destacou-se em competições internacionais como o Operalia, e entre os seus galardões conta-se o 2º Prémio e o Prémio do Público no 10º Concurso de Canto da Fundação Rotária Portuguesa, além da Medalha Municipal de Mérito Cultural das Caldas da Rainha, que atestam a sua excelência e o impacto da sua arte.

Nesta entrevista conduzida por Joana Patacas (JP), Rita fala-nos do seu percurso, que sempre foi pautado pela devoção à música e pelo compromisso com a arte da ópera.

JP: Olá Rita, bem-vinda. Qual é a sua primeira memória ligada ao canto? 

Rita: A primeira vez que cantei em público foi no dia 18 de dezembro de 1993, na festa de Natal do jardim-de-infância que eu frequentava na altura. Antes disso, as memórias que tenho são de me ver em vídeo, porque me filmavam a fazer concertos lá por casa com uma caneta a servir de microfone. Na realidade, não me lembro de mim sem cantar. Faz parte de quem eu sou. 

JP: Na sua família havia alguém com quem partilhava o amor pela música? Como é que se juntou aos grupos de cantares tão nova?

Rita: A minha irmã fazia parte de grupos de música tradicional portuguesa. Temos uma diferença de idade de 11 anos. Então, muitas vezes, quando ela ia para os ensaios, eu acabava por ir também, até que me deram um cavaquinho para a mão e comecei a tocar de ouvido e por ver o que os outros faziam. Daí a cantar, foi um passinho. 

JP: E como é que descobriu a sua paixão pelo canto clássico? 

Rita: Na altura, fazia parte do Coral Alma Nova de Óbidos. Tinha uns 14 ou 15 anos. Não sei dizer ao certo em que ano foi, mas numa das edições do Festival de Ópera de Óbidos precisavam de pessoas para reforçar o grupo de figurantes para uma produção da “Carmen”. Era verão, e eu, como típica adolescente que era na altura, recusei e não fui porque preferia ir de férias para a praia. No ano seguinte, creio que em 2006, o então responsável pela produção do Festival da Câmara de Óbidos e meu amigo, Filipe Pessanha, telefonou-me num dia de agosto e disse algo como: “Hoje à tarde vais estar na cerca do castelo porque vais fazer figuração na produção da Madama Butterfly. E não estou a perguntar se queres.”. E eu lá fui, acompanhada pelo meu pai, como sempre. Quando dei por mim, estava com a cara branca, vestida com um quimono colorido e com flores no cabelo, a aprender a andar com sandálias e meias. Fui logo convidada para cantar no coro da produção do Don Giovanni, que foi a palco uns dias mais tarde. Cantei nesse coro e já não parei mais. A ópera entrou dentro de mim. 

JP: Pode partilhar connosco uma memória marcante das suas primeiras atuações a solo? 

Rita: A memória mais marcante que levo para a vida vem do tempo dos Festivais da Canção, que na prática eram concursos. Só que nós éramos crianças, e sempre houve a preocupação de não sermos demasiado engolidos por uma competitividade nada saudável. Então, a minha memória mais importante é da voz da minha mãe, que era quem me vestia antes de um festival, ainda eu era miúda, e quando saíamos do camarim para eu ir cantar em público dizia-me sempre antes: “Não te esqueças de que o importante é fazer uma boa prestação”. Ainda hoje penso nisso sempre que piso o palco: o importante é cantar bem. 

JP: Escolher entre a Radiologia e a música foi uma decisão difícil?  

Rita: Foi. Tive mesmo de deixar a Radiologia de lado, embora tenha adorado o curso. Era uma área realmente interessante, de que eu gostava muito, tal como gostava muito da escola, dos professores e da minha turma. No entanto, não conseguia fazer tudo bem, devido à imensa carga horária. Então, claro, a decisão foi difícil, e, na realidade, nunca saberemos se foi a acertada ou não. Mas senti que era o que me fazia sentido na altura e creio que hoje decidiria da mesma forma. 

JP: Durante a sua formação musical deve ter-se deparado com alguns desafios. Como é que os superou, e como é que eles moldaram o seu crescimento pessoal e artístico? 

Rita: Da mesma forma que lido com os desafios hoje em dia: com trabalho. Sair da nossa zona de conforto é sempre uma coisa boa, que nos faz crescer, seja em que tema for. Quando comecei a aprender solfejo, também me custava ler o nome das notas, mas com trabalho, tudo se consegue. Hoje em dia tenho obviamente desafios diferentes, mas a forma de os superar é a mesma e a única que conheço: com trabalho. 

JP: Interpretou papéis notáveis em várias óperas, incluindo a Rainha da Noite, Lakmé e Adina. Há alguma das suas performances que considere ter sido um ponto de viragem na sua carreira?  

Rita: Gosto de pensar que todos são pontos de viragem. Creio que o caminho se faz com passos, uns maiores do que outros, que nos vão levando mais adiante. A Rainha da Noite, em 2012, foi um papel importante, sim, mas também o foi o pastor da Tosca em 2008, no Festival de Ópera de Óbidos. E a Lakmé, em Valladolid e a Adina como o meu primeiro papel principal no São Carlos… Cada partitura que estudei ensinou-me alguma coisa. Ainda hoje gosto de encarar as partituras dessa forma, encontrando sempre algum ponto de aprendizagem. Na verdade, o poder aprender algo todos os dias sempre me fascinou nesta profissão. Então, todos os papéis que fiz até agora foram importantes para eu ser quem sou hoje como artista e, atrevo-me a dizer, como pessoa. 

JP: A sua colaboração com Plácido Domingo no concerto da MEO Arena, em Lisboa, deve ter sido um momento marcante. Pode descrever essa experiência e o que representou para si? 

Rita: Foi, de facto, muito marcante, sim. É difícil expressar em palavras. Desde o convite do Maestro Domingo até ao concerto, senti uma enorme generosidade da sua parte. Fui tratada de forma excecional pela produção, nos ensaios e no concerto, e igual generosidade foi demonstrada pelo Maestro Kohn, pela soprano Davínia Rodriguez, pela Kátia Guerreiro e pela Orquestra Sinfonietta de Lisboa. Senti-me muitíssimo bem recebida por todos. Subir ao palco e ver aqueles milhares de pessoas à minha frente causou-me um arrepio na espinha, mas, no final, o importante é cantar bem e ser feliz. 

JP: Em 2017, assumiu o papel principal em "Lucia di Lammermoor" no Teatro Nacional de São Carlos, um marco importante para qualquer soprano. Como se preparou para este desafio e qual foi a sensação de interpretar esse papel? 

Rita: A Lucia era (e é) um dos meus papéis de sonho. Receber o telefonema com o convite foi, ao início, difícil de acreditar. Mas, depois, ao chegar ao teatro, todo o ambiente era tão acolhedor, com todos tão prestáveis para me ajudar, que estavam reunidas as condições para um momento muito feliz. Partilhar o palco com colegas tão generosos foi algo supremo, que levarei comigo para sempre. A preparação para este momento começou mais ou menos em 2018, quando peguei na partitura pela primeira vez, muito a medo, por não conhecer o papel e ter-lhe muito respeito. Mas fui estudando primeiro a primeira ária, depois uma parte da cena final, a seguir a grande cadência, e então o resto do papel. Foi assim que fui construindo a Lucia Ashton. Gosto de ter as personagens claras na minha cabeça, prontas para depois receber as indicações do encenador, que podem ou não ir ao encontro do que havia pensado previamente. Mas é importante sentir-me Lucia e não Rita quando canto, seja para a Lucia ou para qualquer outra personagem. Gosto muito desse processo de dar vida às personagens. 

JP: Tendo já alcançado um sucesso significativo, quais são os seus objetivos futuros na ópera? 

Rita: Tenho um projeto importante que será divulgado a seu tempo, com notícias esperadas por volta de meados de abril ou início de maio. Em maio, vou fazer o papel de Nannetta em Falstaff, no São Carlos. O meu grande objetivo é ser feliz, o que passa por cantar papéis com os quais me identifico. No entanto, o contrário também é enriquecedor, pois aumenta o nível de desafio. Gosto genuinamente de aprender todos os dias. 

JP: Existem papéis específicos ou projetos que sonha em realizar nos próximos anos? 

Rita: Sim, mas prefiro guardá-los para mim. 

JP: A vida artística é exigente. Como descontrai e mantém o seu equilíbrio pessoal fora dos palcos? 

Rita: O meu tempo costuma ser muito contado, para que consiga ter espaço para tudo e manter o equilíbrio. Ler, ver filmes e séries, passear na praia, estar numa esplanada – tudo isso é importante. Mas, acima de tudo, valorizo o tempo de qualidade em família. 

JP: Que conselho daria a jovens cantores líricos que estão a começar a sua jornada na música clássica? 

Rita: Remetendo todos os dias para o que eu própria aprendi quando era pequena, o mais importante é cantar bem. Isso inclui respeitar o compositor, a partitura, a técnica, o texto, a personagem, comer bem, descansar bem, exercitar o corpo, manter o equilíbrio mental. Gosto de ter uma visão holística do canto. 

JP: Tendo trabalhado com grandes nomes como Plácido Domingo e participado em programas internacionais, há alguma lição ou inspiração que gostaria de partilhar com os futuros talentos da ópera? 

Rita: A experiência ensinou-me que cada um deve fazer o seu caminho dentro daquilo que pensa ser o mais correto e equilibrado para si mesmo em cada momento, e está tudo bem.

Fotografia de perfil de Rita Marques por Sónia Godinho

Joana Patacas - Assessoria de Comunicação e de Conteúdos

Quer saber mais? Veja e ouça abaixo uma das suas belas apresentações: 


Próximas atuações:

Falstaff de Giuseppe Verdi

TNSC Sala Principal 11, 13, 15 e 17 de maio de 2024, 20h 

19 de maio de 2024, 16h


Poderá encontrar mais informações sobre Rita Marques em:

Website        Canal do Youtube        Facebook     Instagram


ProART: A Essência Humana em Forma de Arte