Neste “double-bill” de ópera, explora-se o contraste impressionante entre duas mulheres distintas através de duas óperas: "A Voz Humana" de Francis Poulenc e "La Serva Padrona" de Giovanni Battista Pergolesi.
A Voz Humana, de Francis Poulenc
Libreto de Jean Cocteau
· · · Intervalo · · ·
La Serva Padrona, ópera em dois atos (intermezzi) de Giovanni Battista Pergolesi
Libreto de Antonio Federico Gennaro a partir de uma obra de teatro homónima de Jacopo Angelo Nelli
Récitas
10 de setembro · 17h00 (2º espetáculo às 19h00)
A Voz Humana
Ficha artística
Jorge Balça, encenação
Rodrigo Teixeira, correpetição
Nuno Esteves (Blue), adereços
Marília Zangrandi, figurino
Zeca Iglésias, operação de luz
Ana Paula Menezes, direção de cena
Elenco
Elle — Marília Zangrandi, soprano
Rodrigo Teixeira, piano
La Serva Padrona
Ficha artística
Carlos Antunes, encenação
António Carrilho, direção musical
Natacha Costa Pereira, cenografia
Nuno Braz de Oliveira, figurinos
Nuno Esteves (Blue), figurinista em palco
Zeca Iglésias, desenho de luz
Fátima Sousa, caracterização
Ana Paula Menezes, direção de cena
Elenco
Serpina — Carla Caramujo, soprano
Uberto — Luís Rodrigues, barítono
Vespone — João Merino, barítono
José Carlos Araújo, cravo
Orquestra La Nave Va
António Carrilho, direção musical
SINOPSE
Neste “double-bill” de ópera, explora-se o contraste impressionante entre duas mulheres distintas através de duas óperas: A Voz Humana de Francis Poulenc e La Serva Padrona de Giovanni Battista Pergolesi.
Na primeira parte do espetáculo, somos imediatamente transportados para o quarto de uma mulher atormentada. A personagem, Elle, está perdida numa conversa telefónica agonizante com o amante que a abandonou. A sua vulnerabilidade, o seu desespero e a sua solidão são palpáveis, com a música de Poulenc a intensificar cada emoção crua e cada silêncio pesado. Em Elle, vemos uma mulher confrontada com a perda e a rejeição, a sua humanidade exibida de maneira tão desarmante e realista que se torna impossível olhar para outro lado.
Na segunda parte, somos levados para uma atmosfera muito diferente com La Serva Padrona. Aqui, a esperta e astuta criada Serpina manipula o seu patrão, Uberto, para que este a tome como esposa. Diferente de Elle, Serpina exibe um sentido de poder e controlo, apesar da sua posição servil. Ela é inteligente, ousada e totalmente dona de si. A música de Pergolesi realça a sua sagacidade e a sua independência, mostrando que uma mulher pode assumir o controlo do seu próprio destino, mesmo quando o mundo parece estar contra ela.
A apresentação destas duas óperas num único espetáculo é, portanto, uma exploração das múltiplas facetas da feminilidade. Do quarto à sala de estar, do desespero à determinação, estas mulheres mostram-nos que não há uma única maneira de ser mulher. Cada uma delas, à sua maneira, mostra a sua força, seja ela emocional, intelectual ou social, desafiando as suas circunstâncias para encontrar a sua própria voz — uma voz profundamente humana.
SOBRE O FESTIVAL
Ressurgimento do FOO
O Festival de Ópera de Óbidos, que marcou toda uma geração de profissionais e melómanos, esteve inativo nos últimos anos. A ABA - Banda de Alcobaça, Associação de Artes, na sua candidatura ao Apoio Sustentado da Direção Geral das Artes para o período 2023–2026, afirmou como um dos seus objetivos o ressurgimento deste festival, estabelecendo para o efeito uma parceria estratégica com o Município de Óbidos. Com esta parceria, pretende-se dar uma nova vida ao Festival de Ópera de Óbidos dotando-o de condições para que possa ambicionar um futuro sustentável e com capacidade de crescimento, contribuindo para colocar Portugal no circuito global de ópera.
Relevância
O Festival de Ópera de Óbidos pretende posicionar Portugal no circuito global da ópera através de parcerias estratégicas nacionais e internacionais e da participação de artistas de renome. Temos a ambição de transformar Óbidos num laboratório de ideias criativas nos campos da encenação, interpretação musical e ligação aos públicos, bem como um espaço para a descoberta e afirmação de talentos, dotando este Festival de uma ambição internacional que se deve projetar no Futuro do mesmo, fazendo de Portugal um centro de produção e circulação de ópera com alcance global, atraindo um público internacional e impulsionando o turismo cultural, deixando uma marca indelével no panorama operístico.
As atividades do Festival estendem-se desde Agosto, ainda em Lisboa e no Porto, onde decorrerão ensaios e os trabalhos de preparação das óperas, até meados de Setembro, altura em que serão apresentados os espetáculos.
A Quinta das Janelas
O espaço escolhido para acolher as atividades do Festival de Ópera de Óbidos é a Quinta das Janelas. Situada em Vale das Flores e a poucos metros do Convento de São Miguel, a sua construção remonta aos princípios do século XVI, incorpora a antiga Quinta das Flores (onde a Rainha D. Leonor ficava quando se deslocava às Caldas). Um local mágico e cheio de história que inclui um Palacete do século XVI, um conjunto de lagares, adegas, um picadeiro e um chafariz. Nesta quinta podemos ainda ver a Capela da Nossa Sra. do Desterro e uma nascente de águas sulfurosas (antigamente denominadas Caldas das Gaeyras) as quais são aproveitadas numa casa simples, coberta com uma abóbada, tendo no seu interior um tanque.
COMO CHEGAR
Plus Code: 9VC5+HGR Gaeiras
GPS: 39.371495, -9.141227
Desde a A8 – Autoestrada do Oeste
Na A8 sair na saída n.º17 (no sentido Sul–Norte indicação “N8 / Caldas da Rainha Sul / Gaeiras” e no sentido Norte–Sul indicação “N8 / Óbidos / Gaeiras). Seguir pela N8 / N114 na direção Óbidos / Gaeiras e, na rotunda do “Recheio - Cash and Carry” sair na 3ª saída na direção “Óbidos”. Cerca de 350 metros após a rotunda encontrará a indicação para a entrada do festival à sua esquerda.
Desde Óbidos
Tomando como ponto de partida a Estátua da Mão, na Praça da Criatividade, desça até à rotunda, deixando para trás as muralhas de Óbidos. Saia na 2ª saída (N8 / Caldas da Rainha) e siga pela N8 / N114 cerca de 2 quilómetros. Irá passar pelo Santuário do Senhor da Pedra, pela localidade de Caxinas, em Casal do Zambujeiro encontrará a indicação para a entrada do festival à sua direita.
BILHETEIRAS
Os bilhetes para o Festival de Ópera de Óbidos estarão disponíveis em blueticket.meo.pt e em dois postos de venda físicos: no Posto de Turismo de Óbidos (todos os dias) e na Quinta das Janelas (apenas nos dias dos espetáculos).
O Posto de Turismo de Óbidos encontra-se junto ao Parque de Estacionamento principal, na zona extra-muros, a cerca de 200 metros da entrada da vila de Óbidos.
Para mais informações sobre Óbidos visite o website oficial do municípios de Óbidos.
Francis Poulenc
(1899-1963)
Foi um dos mais notáveis compositores franceses do século XX, cuja música consegue reflectir de forma singular a complexidade da vida, a alegria e a tristeza, a leveza e a profundidade. É indiscutível que a sua obra "La Voix Humaine" é uma prova comovente da sua incrível capacidade de expressar a gama completa de emoções humanas através da música.
Poulenc nasceu numa família abastada de Paris, o que lhe permitiu estudar piano com mestres reconhecidos como Ricardo Viñes. No entanto, apesar desta instrução formal, Poulenc permaneceu maioritariamente um autodidata na composição, forjando uma linguagem musical idiossincrática e pessoal que emprestava do cabaret, da música sacra e de formas clássicas. A sua música reflecte a sua personalidade: espirituosa, sensível e frequentemente tocada por uma melancolia pungente.
A obra "La Voix Humaine", escrita em 1958, é uma ópera em um acto para soprano solo, com libreto de Jean Cocteau. Nesta peça, Poulenc explorou a profundidade da tristeza e do desespero. A história centra-se numa mulher que fala ao telefone com o seu amante que a abandonou. A música intensifica a sua solidão, o seu crescente desespero, e a sua luta para manter a compostura. Esta obra destaca a habilidade de Poulenc em pintar emoções com precisão e intensidade, proporcionando ao soprano uma oportunidade única para expressar uma gama de emoções num curto período de tempo.
Poulenc era abertamente homossexual numa época em que isso era tabu, e a sua vida amorosa foi marcada tanto pela alegria como pela tragédia. Em 1960, o seu companheiro de longa data, Lucien Roubert, morreu, uma perda que devastou Poulenc e que se reflectiu na sua música. A morte de Roubert ocorreu pouco depois da estreia de "La Voix Humaine", e o paralelo entre a solidão e o desespero da protagonista da ópera e o próprio luto de Poulenc é inegável.
Poulenc contribuiu significativamente para o campo da ópera, explorando novas formas e abordagens para expressar emoções humanas através da música, como no caso do "Diálogo das Carmelitas" que se passa no período conturbado da Revolução Francesa. A sua capacidade para combinar a profundidade emocional com a acessibilidade melódica tornou as suas óperas populares entre o público e críticos, e ele continua a ser uma figura influente no mundo da música clássica.
Poulenc foi um homem de contrastes, e a sua música reflecte essas dualidades: o sagrado e o profano, o sério e o brincalhão, o alegre e o trágico. A sua vida e obra permanecem como testemunhos do poder da música para captar a complexidade da experiência humana.
Giovanni Battista Pergolesi
(1710-1736)
Foi um dos mais influentes compositores italianos do século XVIII, conhecido pela sua habilidade em conjugar emoção e dramatismo na música. Apesar da sua vida curta, as suas obras tiveram um impacto significativo na evolução da ópera. Destaca-se particularmente "La Serva Padrona", uma das suas composições mais emblemáticas e influentes.
Nascido em Jesi, Itália, Pergolesi mostrou desde cedo um talento natural para a música. Estudou violino e composição no Conservatório dei Poveri di Gesù Cristo em Nápoles, onde mais tarde viria a ensinar. A sua carreira, embora curta devido à sua saúde frágil e à sua morte precoce por tuberculose aos 26 anos, foi prolífica e marcou o período Barroco.
"La Serva Padrona", uma intermezzo em dois atos escrita em 1733, é frequentemente considerada a obra-prima de Pergolesi. A história centra-se numa criada astuta, Serpina, que manipula o seu patrão, Uberto, para que este a tome por esposa. Esta peça é notável pela sua simplicidade e economia de meios, com apenas dois cantores, dois personagens e um enredo simples, mas cheio de humor e humanidade. É aqui que Pergolesi brilha, criando personagens vivas e credíveis através da sua música, e contribuindo para a transição do estilo barroco para o estilo clássico na ópera.
Pouco se sabe sobre a vida pessoal e amorosa de Pergolesi, devido à brevidade da sua existência e à escassez de registos. No entanto, a sua música, particularmente em obras como "La Serva Padrona", revela um profundo entendimento das emoções humanas e das complexidades das relações interpessoais.
Pergolesi contribuiu imenso para a ópera. Em "La Serva Padrona", a sua abordagem inovadora, utilizando o intermezzo - uma forma dramática mais curta e ligeira - como um veículo para uma comédia de caracteres, inspirou a nova forma de ópera buffa, que viria a dominar a segunda metade do século XVIII. O seu estilo elegante, directo e expressivo marcou a passagem do Barroco para o Clássico e influenciou compositores como Johann Sebastian Bach, que adaptou parte da sua música.
Pergolesi compôs também uma série de outras óperas, como "L'Olimpiade" e "Il Prigionier Superbo", bem como música sacra, incluindo o tocante "Stabat Mater".
Pergolesi deixou um legado que vai além do seu breve tempo de vida. A sua habilidade para capturar a essência da emoção humana na música, o seu senso de humor e a sua inovação dramática são evidentes nas suas obras e continuam a influenciar a ópera até hoje.
Das Letras
Jean Cocteau
(1889-1963)
Uma das figuras mais polifacéticas da cultura francesa do século XX. Escritor, cineasta, pintor e dramaturgo, Cocteau deixou a sua marca em várias formas de arte, mas talvez nenhuma tenha sido tão impactante quanto a sua incursão no mundo do teatro e da ópera.
A sua obra "La Voix Humaine" é um exemplo notável da sua capacidade de criar peças dramáticas poderosas. Este monólogo lírico, estreado em 1930, apresenta uma mulher a falar ao telefone com o seu amante, que a deixou por outra mulher. Ao longo da conversa, o público é confrontado com uma variedade de emoções humanas: desespero, esperança, raiva, resignação. A peça foi mais tarde adaptada para uma ópera pelo compositor Francis Poulenc, que, juntamente com Cocteau, conseguiu transformar o monólogo num poderoso drama lírico.
Na sua vida pessoal, Cocteau nunca escondeu a sua homossexualidade, apesar das pressões sociais da época. Teve relações com uma série de homens, incluindo o ator Jean Marais e o poeta Raymond Radiguet. A sua vida amorosa turbulenta e as suas lutas com vícios, particularmente o ópio, influenciaram profundamente a sua obra.
No que diz respeito à sua contribuição para a ópera e o mundo musical em geral, Cocteau demonstrou uma habilidade única para explorar a psicologia humana e as emoções através do diálogo e do enredo. A sua parceria com Francis Poulenc em "La Voix Humaine" é um perfeito exemplo disso, onde o texto lírico e emocional de Cocteau é aliado à música expressiva e emotiva de Poulenc, criando um drama lírico poderoso e profundamente comovente.
Além disso, Cocteau também teve uma frutífera colaboração com o compositor Igor Stravinsky na peça "Oedipus Rex", uma ópera-oratório onde novamente se destaca o seu talento para a criação de textos intensamente dramáticos. No ballet "Le Jeune Homme et la Mort", colaborou com Roland Petit e Edith Piaf, criando uma obra que combinava dança, música e drama numa expressão artística única.
Estas colaborações e a sua obra como um todo ressaltam a forma como Cocteau conseguiu integrar a palavra, a música e a performance, criando experiências teatrais intensamente emocionais e musicalmente ricas. Este talento para a intersecção das artes é, sem dúvida, uma das marcas mais distintivas de Cocteau como criador artístico.
O legado de Cocteau é extenso e diversificado, abrangendo várias formas de arte. A sua obra, que desafiou e subverteu as convenções artísticas da sua época, continua a ser apreciada por públicos de todo o mundo. Na ópera, a sua colaboração com Poulenc em "La Voix Humaine" é uma prova duradoura do seu talento para explorar a profundidade das emoções humanas através da palavra falada e cantada.
Gennaro Antonio Federico
( -1744)
Um dos mais notáveis libretistas da Nápoles do século XVIII. De profissão advogado, ele dedicou-se igualmente à escrita de libretos na sua cidade natal, produzindo tanto comédias em prosa como libretos para composições sacras, óperas cómicas e intermezzi.
Nascido em Nápoles numa data desconhecida e falecido na mesma cidade em 1744, Federico desempenhou um papel importante na transição da ópera cómica napolitana, que deixou o uso do dialeto (típico da commedia dell'arte) para adotar uma linguagem mais italianizada.
As suas obras mais conhecidas são o libreto para "Lo frate 'nnamorato" de 1732 e o intermezzo "La serva padrona" de 1733, ambos postos em música por Giovanni Battista Pergolesi. A sua ópera buffa "Amor vuol sofferenza", musicada por Leonardo Leo, também foi muito bem-sucedida.
Federico, juntamente com Francesco Antonio Tullio, é geralmente considerado um dos principais libretistas da escola napolitana da primeira metade do século XVIII. A sua habilidade para criar libretos cativantes e divertidos desempenhou um papel crucial na evolução da ópera italiana, particularmente no género da ópera buffa. As suas obras, particularmente "La serva padrona", tiveram um impacto significativo no desenvolvimento da ópera, e continuam a ser celebradas pela sua inteligência, humor e compreensão profunda da natureza humana.